#52: Pianos velhos

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Compro um chá novo, demoradamente escolhido no escaparate vasto.
Solto a água sobre as folhas e logo se revela a infusão de cobre pálido. Como se libertasse um génio à espera de escapar numa taça.

O chá de gengibre e ginseng sabe a pianos velhos.

Ocorre-me
música para beber, talvez um arpejo longo para aquecer os músculos, mais tarde uma sonata ou uma gymnopédie.
Como se reencontrasse as teclas todas, tão imensas. Como voltar à casa de infância.

Surpreendo-me com o lugar que encontro. Não esperava a sala cheia de pianos, os bordões a saber a moedas, as páginas de partituras anotadas a grafite sobre o papel grosso, a madeira evaporando-se para todo o lado.

Satie em estado líquido, numa chávena, basta juntar água.

#51: 50 posts!

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Wohoo! Going Bitesize reached 50 posts!
This begs for a dance.

(Illustration: Calvin and Hobbes’ dance, by Bill Watterson.)

#47: Comprido e fino

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De vez em quando encontro pessoas que abusam da expressão “para ser curto e grosso”, em reuniões ou conversas de esquina, o que pode rapidamente tornar-se irritante. Para além de ser uma expressão pateta, quando é incessantemente repetida por pessoas que acham que lhes dá um certo élan de petiscaria de bairro, acaba por se tornar abstrata, como naquele exercício do estranhamento das palavras do Vergílio Ferreira. Só que com menos classe. Sugiro que tentem ser “compridas e finas” por uns dias. Só para variar.

#41: Cereais parciais

A quem quer que esteja a ler, gostava muito de provar cereais de pequeno-almoço parciais: os integrais eu já conheço e acho-os muito saborosos.

P.S.1: Por serem parciais quererá dizer que tomam posições pouco isentas sobre os assuntos da actualidade?

P.S.2: Não, devem mas é ser vendidos às partes. Imagino o slogan: “Cereais cuidadosamente preparados com as melhores metades de grãos de trigo” ou “inclui terçozinhos de aveia”, etcetera.

#40: O Rambo não cozinha

Mudei de canal e, numa daquelas coincidências que só costumam acontecer nos filmes, o Rambo estava a lançar a famosa flecha com a granada agarrada – usou daquela fita-cola forte cinzenta, suponho –, em direcção a um helicóptero dos maus. Lá dentro, um piloto mal encarado esbugalha os olhos e grita um urro mudo qualquer que nós – espectadores – não percebemos, porque sabe que já não vai a tempo. Deve ter lido o script e, para mais, toda a gente sabe que o Rambo não falha. CABUM! Lá se vai mais um Apache para o galheiro!

O piloto do Apache do lado não hesita e lança-se em perseguição do Rambo. Vemos-lhe as mãos atarefadas nos comandos e o esgar sedento de vingança. Entretanto, estas coisas deram tempo ao Rambo e ao amigo de se esgueirarem para uma cova, que afinal – mostra-nos o realizador – dá para uma gruta que apareceu convenientemente por ali. O piloto apressa-se a largar uma carga de napalm para a entrada da gruta e só nessa altura é que o Rambo decide dar corda ao chinelo. Põe nos queixos aquela expressão de urgência masculina que lhe é tão típica (a recorrência destes trejeitos entre filmes ajudam-nos a perceber o que lhe vai na alma em cada cena) e larga numa correria desenfreada até se agarrar a uma corda também convenientemente pendurada para dentro da gruta pelo amigo.

Nisto o napalm escaqueira com tudo à superfície e ameaça envolver o Rambo numa nuvem de labaredas, o Rambo corre, a música fica cada vez mais perigosa, o Rambo com o queixo urgente cada vez mais ao lado, o amigo a chamá-lo, cada vez mais histérico, grande suspense… e, claro, o herói termina a fuga com uma cambalhota clássica, com a qual escapa às chamas sem mazela.

É nesta altura que me ocorre que 1) o Rambo é muito ingénuo; ou 2) o Rambo não cozinha. Então não é que o palerma vem para estas andanças em troco nu?!

Ainda no outro dia tive a ideia estúpida de saltear galinha em tronco nu. Nunca o faço nem costumo armar grande chavascal, mas havia de ser o dia de entornar azeitinho quente sobre a pele.

O resultado não foi o mais agradável e recordei a regra de ouro da cozinha: proteger sempre a pele das potenciais queimaduras. O Rambo devia saber do mesmo, uma vez que o seu trabalho consiste em andar por sítios inóspitos a estoirar tudo pelo caminho. O sacana anda a rebolar pelos cacos do Mundo e regressa ao quartel incólume, mas quando nos toca a nós, deixamos no ar o aroma a bacon flambé. E ainda insiste em enfrentar os inimigos de peitorais ao léu…

#36: A mini maratona de Lisboa e os quadríceps de São Pedro

A mini maratona de Lisboa aproxima-se e dei comigo a pensar se estará bom tempo no momento em que me fizer ao asfalto.

Por certo estará, ou não seja o S. Pedro um adepto do atletismo popular.

Desse pensamento nascido de lógica cristalina, imaginei como será a sua preparação para a prova deste ano.

Como tantos de nós, talvez corra com um amigo. Suponhamos que S. Francisco também tem a sua conta de 5Ks…

S. Pedro espera pelo amigo sentado num banco de pedra. S. Francisco caminha apressado e acena ao longe.

Francisco – Grande Pedro!

Pedro – Então, Xico! Tás bem?

F – Na boa. Atrasei-me, desculpa. Outra vez a gaita das evangelizações. Crashou-me outra a meio…

(CLAP! S. Pedro e S. Francisco chocam um sonoro bacalhau de manos.)

(HUÁ! S. Pedro e S. Francisco terminam com um belly-but, saltando enquanto chocam com as barrigas.)

F – Como é, badochinha?! A barriguita não pára? Chega de Bolicaos. A ideia da corridinha era manter a linha!

P – Tens razão, esta cena do toucinho do céu é uma perdição… Às vezes já nem é fome, é mesmo só gula.

F – Tás lindo, São…

Como qualquer corredor de rua, acabarão por trocar impressões sobre o equipamento. Em algum ponto da comunicação oral de dois indivíduos que partilhem um mesmo interesse, é inevitável que se abordem as questões de hardware.

F – Olha, tás a pensar levar que ténis?

Imagino o S. Pedro habitualmente trajado com sandálias romanas. As solas em couro e as tiras afiveladas não me parecem apropriadas para as agruras do trail ou a imprevisibilidade da calçada portuguesa.

P – Já troquei os Nike velhos. Encontrei uns para trail muito fixes: leves, imensa aderência e com umas cores bem alegres. Algo de bom teria de vir com esta panca revivalista pela tralha dos anos ’80…

F – A sério? Hás-de me dizer onde os compraste, no outro dia rebentei os pés. Havias de ver, uma merda. Não me posso esquecer de enfaixar os dedos.

P – Eu vou levar um elástico para a barba. Cheguei à conclusão de que é a melhor maneira de tirar a juba do caminho.

Nesse dia não correrão, passarão pelo café para lanchar uma torrada com pouca manteiga e uma meia de leite. Fogem à dieta, mas é tão difícil encontrar snacks pobres em gorduras e hidratos de carbono nas pastelarias de Lisboa…

P – Amanhã corremos?

F – Claro. Mas mais para o final do dia, que tem estado uma brasa… A subida ao pé dos pinheiros é que me lixa. Há dias em que chego lá acima já a pensar no bebedouro.

P – Devias ter cuidado com essas coisas. No outro dia vi um cão a beber de lá.

F – Não me lixes!

P – A sério, estavas a atar os ténis e não reparaste.

F – E não dizias nada??!!

P – Não me lembrei…

F – Porra. Às tantas tenho para aí uma parasitose qualquer e não sei.

O dia terminará com alongamentos, hidratação abundante e S. Pedro a escovar os Nike, entretanto empoeirados pelos trilhos do parque onde treinaram as pernas.

F – Bem, hoje foi fixe. Fizémos mais uma volta.

P – Yah. Mas estou de rastos. Ligo-te amanhã para irmos levantar os dorsais da corrida?

F – Sim. De caminho levas-me aos ténis.

E por aí fora. Correr na rua dá pano para mangas.

#33: Conversas acintosas e tampas de telemóvel

Sempre achei piada que nos filmes as pessoas falam com muita certeza ao telefone e quando acabam de dizer o que têm para dizer desligam-no e pronto, sem ouvir o que quem está do outro lado tem para explicar. Não lhes interessa o que falta por contar? Não querem saber o que o outro tem para transmitir?

De certo modo, parte de mim gostava de ser assim, directo e seco, sem ter dúvidas sobre o que dizer em qualquer ocasião e, pelos vistos, omnisciente. Simplificava tanto as coisas… Uma pessoa marcava um número, debitava o que queria e depois desligava o aparelho.

De preferência com um clac da tampa do telemóvel, como nos filmes americanos. E sem precisar de pensar sobre se o interlocutor tinha percebido alguma coisa. Claro que tinha, seria como num filme.

Numa associação de ideias, é de notar como, tantos anos depois de passarem de moda, os telemóveis clamshell (os que têm tampinha e se fecham) continuam os eleitos nos filmes de acção. O protagonista recebe informação bombástica de um assistente que regra geral é tratado com despachatez, momento em que tem uma epifania e descobre como salvar a cidade das garras de um qualquer vilão com sotaque britânico. Já tem o que precisa, portanto tumba, fecha a tampa e o espectador fica a saber que 1) ele é um homem decidido 2) terminou a chamada. Talvez o assistente quisesse revelar um pormenor importante, do tipo “mas espera, há um senão! Só podes desactivar a bomba às Quartas-Feiras!” Mas paciência, já se ouviu o clac e naquele dia é Domingo… Buuum!

Bem vistas as coisas, o espectador não tem uma noção suficientemente dramática do início e final das conversas que os protagonistas têm ao telefone. Daí o bip inicial e o clac final. Anuncia-nos, audiência, que devemos ser palermitas, os momentos chave do diálogo remoto.

Entretanto, reparo que apenas recentemente fomos intelectualmente promovidos. Os heróis das séries de televisão passaram a usar os touch phones que trazemos no bolso. Já percebemos como se usam, até já temos uns parecidos… somos capazes de compreender o conceito e tal.

Confesso algumas saudades dos clamshell. As conversas ficavam tão melhores nestes telefones… Até nós ficávamos com mais certeza de que desligávamos mesmo a conversa.

#32: Azeitonas estrábicas

– Tenho de te confessar uma coisa.

– Hm.

– Às vezes, quando vejo pessoas entortarem os olhos – assim de propósito, por piada –, penso em azeitonas.

– WTF?!

– Sabes daquelas recheadas com pimentos? Pronto, essas. Quando ainda estão a boiar na salmoura do frasco, entortam-se, como se estivessem a olhar uma para a outra.

– …

– Pronto era isso. Já desabafei.

– Ceeeeerto…

(Na foto, Greta Garbo, conhecida estrábica.)

#29: Julien Pacaud – illustrator and time traveller

Just found an outstanding illustrator.

The work by French artist Julien Pacaud is a fine blend of retroism, surrealism, illustration and collage art, executed with such perfection it must have been more tweeted and reported in the past few months than the economic crisis in Europe.

Approaching space manipulation and architectural fiction with a bold and epic aesthetic, it is only natural his work rapidly became a favorite of mine.

You will find hints to social criticism from both the past and nowadays – Pacaud’s declared hobby is actually time travel –, from political tension references to consumerism icons and modernist imaginarium.

The best place to find his work is at his very own homepage.

(Illustration: Magical Geographic, by Julien Pacaud)

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