#54: A escuridão é plana

Kah abomina o escuro. Não a escuridão. Nem tem medo do escuro, no sentido infantil da fobia. Lembra-se de acordar a meio da noite, em absoluto breu e não conseguir ter qualquer percepção espacial. A ausência de luz não lhe permitia aperceber-se das formas ou do espaço envolvente. O sono não lhe trazia a memória de onde estava ou em que posição. Por mais que abrisse os olhos e procurasse referências, apenas via o negro liso da noite. A vagueza deu lugar ao pânico momentâneo. Olhar o vazio e apenas receber o descontrolo de si mesmo apavorara-o. Apenas o candeeiro da mesa de cabeceira devolveu espaço e tempo e lucidez ao pequeno espanto de Kah. Por isso dorme sempre com uma fatia dos estores aberta. Para que a lua dilua a planura da noite.

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